quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Em teologia não sejamos um moleque, saibamos, pois, o que é Filioque.


Os teólogos nunca falam em alguns dogmas em público, por serem polêmicos. E para eles, o zé povinho não precisa conhecer certas doutrinas, que são só para eles,  intelectuais e teólogos!
Tudo começou com o polêmico Concílio Ecumênico de Nicéia (hoje Isnique, na Turquia). Polêmico, porque os bispos participantes dele foram pressionados pelo imperador Constantino, com ameaças de exílio, torturas e morte, para quem não votasse na divinização de Jesus. Os ânimos estavam muito exaltados.
Alguns bispos foram acompanhados de seus seguranças armados. E segundo Helena Blavatsky (“Doutrina Secreta”), um bispo matou outro a chutes. Como se vê, os bispos estavam inspirados, porém, não por um espírito ou espíritos de Deus, mas por espíritos impuros, atrasados.
Com a vitória de Constantino, ou seja, a divinização de Jesus, foi também dado o primeiro passo para a criação da Santíssima Trindade, que recebeu impulsos nos Concílios de Constantinopla (381), de Éfeso (431), de Calcedônia (451) etc. Mas para os apóstolos e as primeiras gerações de cristãos, Jesus era um homem, o Messias, e não outro Deus. E eles não conheciam também a Santíssima Trindade, que não é doutrina da Bíblia, mas que foi acrescentada a ela, posteriormente.
E foi quase um milênio depois do Concílio de Nicéia, que o Concílio Ecumênico de Lião (1274), na França, criou mais outro dogma, o Filioque (expressão latina: “e do Filho”), que dá mais poder a Jesus, para enfraquecer os teólogos contrários à sua divinização. E como se sabe, na época, quem fosse contra um dogma, morria na fogueira da Inquisição. 
Os teólogos do Filioque defenderam a ideia de que o Espírito Santo procede de Deus, o Pai, e do Filho. Com isso, tentaram mostrar que Jesus é outro Deus Todo-Poderoso como o é o Deus Pai, introduzindo no Cristianismo o politeísmo. E a Bíblia é contra a divinização de Jesus: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão um só que é Deus.” (São Marcos 10: 18). “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.” (Efésios 4: 5 e 6). “Porquanto, há um só Deus verdadeiro, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem.” (1 Timóteo 2: 5). E “O Pai é maior do que eu.” (João 14: 28).
Jesus é Deus, mas relativo, como todos nós o somos também. (João 10: 34 e 35; e Salmo 82: 6), porém, Deus absoluto, incriado, é só o Pai. Aqueles que acham que Jesus é outro Deus, igual ao Deus Pai, se baseiam na afirmação de que Ele e o Pai são um. Mas Deus e Jesus são um em sintonia. E Jesus até nos convida para sermos também um com Ele e o Pai. (São João 17: 21).
Muitos católicos, protestantes e evangélicos, em silêncio, não aceitam que Jesus é outro Deus e, portanto, não aceitam também o dogma do Filioque.
E uma prova de que a divinização de Jesus é mesmo polêmica é que, oficialmente, a respeitada Igreja Ortodoxa Oriental (com cerca de 300.000.000 de adeptos), o Espiritismo e as demais religiões não aceitam que Jesus é outro Deus, a não ser relativo, e, consequentemente, não aceitam também o dogma do Filioque!

Na Rede Mundo Maior, por parabólica ou www.tvmundomaior.com.br,“Presença Espírita na Bíblia”, com Celina e este colunista, nas quintas-feiras, às 20h, e nos domingos, às 23h. Para suas perguntas e sugestões: presenca@tvmundomaior.com.br E, na Rede TV, o “Transição”, aos domingos, às 16h15 e à 1h45 das quintas-feiras.

Obs.: Esta coluna é de José Reis Chaves, às segundas-feiras, no diário de Belo Horizonte, O TEMPO, pode ser lida também no site www.otempo.com.br Clicar “TODAS AS COLUNAS”. Podem ser feitos comentários abaixo da coluna. Ela está liberada para publicações. Meus livros: “A Face Oculta das Religiões”, Ed. EBM (SP), “O Espiritismo Segundo a Bíblia”, Editora e Distribuidora de Livros Espíritas Chico Xavier, Santa Luzia (MG), “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência”
Ed. EBM (SP) e “A Bíblia e o Espiritismo”, Ed. Espaço Literarium, Belo Horizonte (MG) –  www.literarium.com.br - e meu e-mail: jreischaves@gmail.com - Os livros de José Reis Chaves podem ser adquiridos também pelo e-mail: contato@editorachicoxavier.com.br e o telefone: 0800-283-7147.

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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Estudando o Evangelho


Nos áureos tempos do ensino médio, nas aulas de história militar, estudávamos preocupados com a prova que cobrava as batalhas do Brasil Império, seus detalhes e seus comandantes, com nomes, dados e números. Muita decoreba, pouca reflexão e um aprendizado que ficou dos momentos cômicos de sala de aula, mas pouco do que podemos aproveitar no presente com a história e o com o sacrifício dos que nos antecederam.
Essa visão da história, dos dados, predominou no Brasil no segundo quinquênio do século passado, demorando a surgir uma visão da história que priorizasse o entendimento das relações, das forças sociais e de que forma isso tudo nos ajuda a explicar o mundo como ele é hoje.  Penamos, nos bancos escolares, com a memorização de dados e fatos estranhos a nossa realidade, achando que isso seria aprender história. E nos gabávamos desse saber! No máximo, nos preparávamos para um programa televisivo de perguntas e respostas.
Em uma época que exaltamos o estudo da “Bíblia” in natura, relançado o Novo Testamento pela Federação Espírita Brasileira; tempos no qual pensamos em fazer um filme espírita com a história de Jesus; em que se tem a descoberta recente do Evangelho de Barnabé, mais um texto que com suas polêmicas recebe alcunhas de apócrifo e abala as estruturas calcadas em textos evangélicos; ou seja, momentos em que os acontecimentos da passagem de Jesus pela Terra (encarnado) voltam com força pela sua verdade histórica às prateleiras e discussões, penso que merece uma singela reflexão a nossa postura diante do estudo do evangelho, sob pena de cair na armadilha dos números e detalhes, do saber por saber.
O que queremos nós, espíritas, do estudo do texto evangélico? Vemos ali um livro sagrado, imutável, valorizado pela letra que mata e que deve ser estudado e repetido, como o terço e o rosário de outros tempos? Vemos neste uma fonte de estudos dos hábitos e a cultura de uma época, estranha a nós em um mundo moderno, esquecendo-nos da “parte boa” contida nas lições da moral? Ouço as pessoas dizerem que é importante estudar a Bíblia... Mas, por quê? Somente ela, com essa abordagem, dará conta de nossas questões como Espírito encarnado no planetinha azul?
Completamos este ano, 2013, os 150 anos de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, obra magistral na qual Kardec trata da questão religiosa do Espiritismo, da sua relação com o Cristianismo, tendo em suas páginas iniciais estampado que a referida obra trata da “explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida”, apontando que o foco é o Espiritismo e como ele nos ajuda a entender as máximas morais de Jesus, de forma a nos tornar o ambicionado Homem de Bem, propósito maior.
Nesse sentido, a porta estreita de nos determos em tertúlias sobre detalhes ocorridos da vida de Jesus e dos discípulos que os seguiram, em que pese seu valor histórico, pode ter um baixo potencial de nos auxiliar na transposição do Reino de Deus para os dias atuais. E ainda, necessitamos, como já advertido pelo próprio Kardec, filtrar a Bíblia, em suas múltiplas traduções, permeadas de guerras e lutas políticas, oriunda de uma história oral e carregada, em especial no velho testamento, de passagens sexistas e contrárias à ciência, que podem e nos levam a adotar uma visão restrita disso tudo. Filtrar a Bíblia não é interpretá-la a nossa maneira, mas sim entender que o texto, como base de nossas reflexões, padece de interferências históricas e culturais. No Espiritismo, não existe livro sagrado...
No estudo do evangelho, do livro que fundamenta o Cristianismo no mundo todo, é preciso mergulhar no espírito daquelas passagens, entender a mensagem em cada situação, na qual o Cristo se usa de parábolas ou de situações reais para exemplificar o que nos servirá para a eternidade. Kardec propôs isso... Interessa-nos essa história vista do alto, no contexto da época e trazido para a nossa realidade. É preciso superar os 500 anos de Catolicismo arraigados em nossa alma e entender que o paradigma é diferente, é o da fé raciocinada, do livro que fala mais do que seu texto e de uma religião que rompa mitos e formalismo, como nos deixou o legado Kardequiano.
Na nossa jornada reencarnatória, necessitamos da mensagem do evangelho a iluminar nossa rota, como um farol a nos guiar. Mas precisamos ter “olhos de ver” para enxergar essa luz, relembrando as guerras que a história da humanidade viveu com base em interpretações desses mesmos livros e de que a religião, como forma de relação com a nossa espiritualidade, pode redundar em absurdos, onde a razão precisa nos orientar. Quem não lembra o clássico filme da década de 80, “Footloose”, onde o texto evangélico serviu como proibição da dança, mas também argumentou para a sua liberação naquela pequena comunidade.  Jogos de palavras no qual a fé cega pode se servir... Interpretações literais sobre o que não temos certeza.
 Estudos históricos, detalhes da época, nomes de personagens, com todo respeito a essas figuras históricas e seus sacrifícios, devem nos servir para algo mais do que decorar a nossa cultura sobre o povo judeu de 2000 anos atrás e o modo de vida no Oriente Médio, como se falássemos de seres supra-humanos. Kardec, ao falar do objetivo de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, reforça que ele trata da questão moral, daquela que se afasta da controvérsia e dos sectarismos e permanece para além dos séculos, e, apesar dessa supremacia, demanda estudo e reflexão. 
Quando vejo os textos do novo e velho testamento carregados de pronomes pessoais em desuso na língua coloquial, como o “Vós”, fica claro que isso se deve a uma fossilização do texto, que não pôde ser mudado pelo seu caráter sagrado. Resquícios de uma cultura do texto sagrado, na qual o próprio livro, fisicamente, é cultuado em um altar. Mas e a ideia... Esse é o cerne dessa discussão, abandonar o formalismo do texto, do fato e avançar sobre a essência, ainda que o primeiro caminho seja mais fácil. Lembremos que a queima dos livros em Barcelona, na época de Kardec, foi visto como uma questão benéfica para a difusão das ideias espíritas.
Leonardo Da Vinci dizia que “(...) a simplicidade é o último degrau da sofisticação”. Gandhi, em sua sabedoria, nos asseverou no século passado que “(...) se toda a literatura ocidental se perdesse e restasse apenas o Sermão da Montanha, nada se teria perdido", apontando que as coisas simples do evangelho são as mais necessárias a nossa evolução. Lembremo-nos de André Luiz no livro “Agenda Cristã”, quando diz “(...) não viva pedindo orientação espiritual, indefinidamente. Se você já possui duas semanas de conhecimento cristão, sabe, à saciedade, o que fazer”. Isso não é um abandono do estudo e sim uma orientação da abordagem que ele deve adotar.
Nessa época de valorização da informação nua e crua, do grande acúmulo de dados pelas pessoas em seus equipamentos portáteis, ficamos extasiados com minúcias históricas e suas nuanças e esquecemo-nos da vida real, da aplicação daquele conhecimento em um contexto mais amplo. Hoje, posto que com a internet tenhamos uma infinidade de dados ao alcance de nossas mãos, nos detemos em saber muito, sobre coisas e suas superficialidades, e estamos perdendo a competência de discutir e refletir. Navegamos na superfície, nos seus detalhes exteriores e esquecemos a essência.
Da mesma forma, a nossa sociedade valoriza o espetáculo, o bom produto a ser consumido e buscamos mergulhar nas histórias e nos tornamos aficionados pelos nossos personagens, com bonecos nas mesas do trabalho e posts  nas redes sociais. Fazemos assim com nossos heróis evangélicos, endeusados pelos seus superpoderes, na releitura dos fenômenos de canonização, distantes em um mundo inatingível de fantasia a divertir nossas tardes de domingo.
Não se trata de uma redução do papel de Jesus, para o qual endereçamos, contritos, nossas preces antes de dormir. Citado na pergunta n° 625 de “O Livro dos Espíritos” como o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo; entendido pelas obras psicografadas por Chico Xavier como governador espiritual do planeta, Ele merece ser resgatado desse míope papel de Deus encarnado e salvador propagado pelas religiões, para uma visão na qual seja forte pelo seu legado, pela sua mensagem a se perpetuar na orientação de nossas questões mais intimas.
Trata-se de fugir do atavismo, de uma divinização de Jesus na busca de cada detalhe de sua vida, como um fã incondicional que coleciona palhetas de guitarras, em posturas que redundam em outros conceitos no plano teórico, como o corpo fluídico e a evolução em linha reta do Cristo, como negações da grandeza do universo e da nossa pequenez nesse contexto. A adoração, como dito no mesmo “O Livro dos Espíritos”, agrada a Deus quando do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal. E isso se dá com estudo e reflexão, com pensamento e ação, no diferencial teológico do Espiritismo, uma herança grandiosa do nosso codificador.
A discussão do evangelho deve ser libertadora, como deve ser o ensino de história nos bancos escolares. Para além de fatos, hábitos e nomes, importa extrair dali o conteúdo para a nossa vivência. Na história, em suas discussões modernas, nos interessa a investigação complexa, atenta à estrutura profunda dos diversos fenômenos sociais, se debruçando sobre os conflitos, as hegemonias e as contradições, em uma visão de totalidade do evento histórico.
Assim, enriquece-se o estudo do evangelho quando transcende a questão narrativo-explicativa do fato e seus detalhes e se prende aos valores, a postura das pessoas e aos seus desafios, tudo isso como fonte de educação ao Espírito. Para isso, não importa-nos manusear o texto original simplesmente, e sim buscar em cada obra no manancial espírita essa sabedoria, em discussões e reflexões.
Por fim, recordo-me dos mercadores da Idade Média, que comercializavam falsas relíquias sagradas, lascas do madeiro de Jesus, e as pessoas, que sem ter a certeza da origem daquele artefato, se apegavam a ele na sua fé cega. Kardec nos oferta, em um mundo novo, a fé raciocinada, não no sentido de amplitude da superfície, conhecendo de forma extensa apenas a aparência, mas no mergulho da essência que relaciona o posto, o contexto e as outras realidades, passadas e presentes. Nas palavras de Kardec: “(...) A criatura então crê, porque tem certeza, e ninguém tem certeza senão porque compreendeu. Eis por que não se dobra. Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”.
Queremos ao fim da vida, retornando ao Plano Espiritual, trazer algo mais do que eu trouxe das aulas de história e seus detalhes exaltadores de personalidades. Queremos trazer aquele evangelho vivo, refletido em conduta e pensamento. O “amai-vos” e o “Instruí-vos” não figuram isolados e sim como elementos integrados, no qual estudamos para amar com mais qualidade e amamos impulsionados pelo entendimento da vida e de seus objetivos. Para isso, incumbe-nos saber amar, mas também saber a melhor forma de estudar...

Marcus Vinícius de Azevedo Braga
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil) 

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