quarta-feira, 29 de julho de 2015

João Pedro


Esse novo amigo tem apenas 5 anos. Um garoto inteligente, afetuoso, que corre a me abraçar onde me vê. Tocou-me o coração. Foi conosco, acompanhado pelos pais, a Guaxupé (MG), num evento de grande porte – onde havia 700 pessoas –, participando ativamente das atividades dedicadas às crianças. Foi num fim de semana, fomos no sábado e voltamos no domingo.            
Minha participação no evento foi proferir palestra no encerramento. O tema era dedicado ao afeto, ao cuidado que devemos ter uns com os outros, na vivência do respeito e no esforço da fraternidade, onde se inclui naturalmente o amor e o carinho às crianças, para que se sintam amadas, respeitadas e acolhidas. Aliás, já se sabe, que a maioria dos casos de desequilíbrios sociais na vida adulta é resultante de uma infância desprezada ou vivida sem amor dos pais ou responsáveis adultos pela criança. Isso é normalmente constatado em terapias, onde traumas, medos e angústias tem sua origem na infância, repetindo, na maioria dos casos.              
Antes da minha vez de assumir a tribuna para iniciar a palestra, tive um insight e pedi autorização aos pais, sem nada combinar com o garoto e pedi aos pais nada dissessem a ele.              
Iniciei a abordagem, desenvolvi a temática durante uns 25 minutos e, ao final, após todas as considerações, que julguei viáveis e oportunas pertinentes ao tema, citei que um novo amigo já estava entre nós e chamei-o pelo nome: João Pedro, venha ao palco!              
Agachei-me, abri os braços chamando-o para o abraço de dois velhos amigos. Ele veio correndo pelo palco, na presença do imenso público, e lançou-se aos meus braços, com a espontaneidade e alegria que é própria das crianças, que é característica peculiar da pureza de coração.              
Levantei-o nos braços, levei-o até o microfone, colocando-o de pé sobre a cadeira para alcançar o pedestal e fiz rápidas perguntas que ele respondeu com graça, fazendo a emoção do público. Que cena comovente! A espontaneidade de uma criança, onde o coração ainda não se impregnou da malícia, do melindre, da desconfiança ou do preconceito.              
Abraçamo-nos com alegria. Encerrei a fala para dizer que na pureza infantil está, sem dúvida, a chave da felicidade humana, o segredo para sairmos de nossas neuroses e vencermos os quadros deprimentes da vida adulta perturbada pelas neuroses que vamos acumulando.              
Não é por outra razão que afirmou o Mestre da Humanidade: deixai vir a mim as crianças, porque delas é o Reino dos Céus.              
Sim, é o reino da humildade interior, da alegria espontânea, do comportamento puro de quem confia e não se deixa contaminar por preconceitos ou pensamentos e posturas pré-concebidas que tantas vezes nos permitimos adotar.              
É que o afeto é capaz de construir a felicidade, dentro e fora de casa, em qualquer lugar. Tratemos de valorizar essa grande virtude de nos tratarmos com docilidade, com respeito, com fraternidade. Maridos e esposa, tratemos nosso cônjuge com carinho e atenção, são eles os companheiros que a vida nos deu para essa caminhada de aprendizado.              
Abracemos os filhos, abramos o coração aos amigos, sejamos mais afáveis uns com os outros, construamos a fraternidade.              
Sejamos como João Pedro: espontâneos, puros de coração. Ele é uma criança, mas todos nós podemos nos esforçar para esse comportamento.    

Parabéns aos pais! Meu abraço ao menino querido.

Orson Peter Carrara

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Violência e Paz


O mundo está perigoso, diz-se à boca cheia. Cada vez há mais violência, não só entre povos como também entre grupos de interesses e familiares. Haverá solução para este drama social que nos consome?

1 - Um estudo revela que, de 162 países, apenas 11 não estão em guerra no mundo hoje. Não em guerra aberta declarada, mas envoltos nas guerras regionais e locais, de um modo ou de outro.

2 - Este ano, em Portugal (país pacífico), já foram mortas 27 mulheres (até 28 de Novembro de 2014), vítimas de violência doméstica.

3 - Curiosamente não se consegue encontrar um número definido de organizações que estão empenhadas na paz do mundo. Impossível conseguir contabilizar os atos de paz levados a cabo, diariamente, no mundo inteiro.

Figuremos dois pescadores, na pesca a linha, numa praia. Um diz que o mar é perigoso, pois tem peixes-aranha, tubarões, tsunâmis; as pessoas morrem afogadas, há naufrágios. O outro refuta os argumentos, dizendo por sua vez que o mar serve para pescar, fazer caça submarina, surf, bodyboard, andar de barco, nadar etc.

Qual dos dois tem razão, sendo o mar neutro?

Obviamente, tudo se desdobra no campo do mero ponto de vista, na maneira como analisamos as situações. 
Os órgãos de comunicação social de hoje têm sede de escândalos, de “sangue” de notícias que firam a sensibilidade, pensando assim estarem a prestar um bom serviço à comunidade. Esta, por sua vez, intoxica-se mentalmente com o mal alheio, como se isso alimentasse a sua sede inconsciente de sobrevivência. 
Jesus de Nazaré aconselhava, sabiamente, “amai o próximo como a vós mesmos”, numa notável lei de sabedoria para uma convivência pacífica e evolutiva na sociedade. 
O problema é que não amamos o próximo (isto é, não fazemos ao próximo o que desejaríamos para nós) porque também não nos amamos (não temos sentimentos, pensamentos e atitudes que nos façam bem). 
Escolhemos o melhor peixe, a melhor carne para que o corpo físico não adoeça (corpo que irá morrer), e intoxicamo-nos com todo o lixo mental que encontramos (sendo o Espírito imortal). 
São os paradoxos do ser humano, numa sociedade que perdeu o Norte de Deus e que tem de reaprender a amar-se e a amar, para poder ser feliz. 
A violência e a paz são estados de alma, que cada um pode escolher amplificar e esparzir pelo mundo afora. 
A violência e a paz, mais do que atos exteriores, são estados de alma que cada um carrega de acordo com as suas escolhas íntimas. 
Há que alimentar as atitudes pacíficas e transmutar as tendências violentas. Para isso, urge nos educarmos, aprender e ensinar as nossas crianças, em busca de um dever melhor. 
“Fora da caridade não há salvação” é um lema da doutrina espírita que projecta para hoje essa paz que todos buscamos e que tão pouco fazemos para que se torne realidade. 
Fica o convite: a partir de hoje, treinarmos, diariamente, a nossa mente em busca da paz, questionando que sentimentos temos tido, que pensamentos alimentamos, que tipo de conversas tivemos, que filmes e programas televisivos vimos, que gênero de livros lemos, e o que fizemos pela paz em nós, na família, na comunidade e no mundo…

José Lucas
Óbidos, Portugal 

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terça-feira, 14 de julho de 2015

O debate a respeito da redução da maioridade penal


Um dos assuntos mais debatidos nos últimos anos no Brasil trata da polêmica redução da maioridade penal. Mas seguindo na contramão da racionalidade e da lógica ficamos - também nesse tema - gastando enorme tempo em discussões estéreis e absolutamente dissociadas da realidade. Vários argumentos e análises (frágeis em sua maioria) têm sido brandidos ao longo dos anos, mas que não ajudam na efetiva solução de tão grave problema social. Portanto, é mais do que hora de encarar o assunto com a seriedade e objetividade necessárias. 
Uma criança ou adolescente contemporâneo – isto é, pertencente à geração Z (nascidos entre 1990-2010) – tem conhecimentos, percepções e experiências muito mais significativas e abrangentes do que obtiveram, por exemplo, os seus pares da geração Baby boomers (nascidos entre 1946-1964). De fato, há praticamente um fosso entre essas gerações não apenas etário, mas também contextual. 
Crianças ou adolescentes da atualidade têm acessos a objetos e oportunidades que os seus avós nem sequer sonharam. Também é inegável que o salto tecnológico alcançado nas últimas décadas e a mudança radical de costumes moldou o mundo moderno de tal maneira que as crianças amadurecem bem mais cedo. Em decorrência disso, as crianças são inseridas na realidade da vida muito precocemente. Em contrapartida, elas não são tão facilmente manobráveis como outrora foram as das gerações pregressas. De fato, elas têm uma vontade inquebrantável, personalidade forte, comportamento irritadiço e, por conta desses traços, fazem valer as suas opiniões e desejos com frequência (não raro, indesejável). É muito difícil lhes impor qualquer coisa. Dominam a arte da negociação o que lhes dá vantagem quando a empregam com os pais. 
Além disso, são muito mais articuladas, astutas e antenadas, considerando a forte exposição à realidade cotidiana a que são submetidas. Ademais, em menor ou maior grau a violência e o bullying fazem parte do cotidiano delas, independentemente da classe social à qual pertençam. 
Por tudo isso, portanto, pode-se inferir que são seres humanos que entendem e captam as nuances da vida muito mais rapidamente do que as crianças e jovens de outras gerações. Por conseguinte, as noções do mal e do bem lhes são praticamente palpáveis considerando os acontecimentos e turbulências com as quais convivem nessa era pós-modernista e ainda profundamente desespiritualizada. 
No que concerne ao melhor procedimento punitivo a ser adotado, mais inteligente será se os nossos legisladores se inspirarem no que outros países mais avançados vêm fazendo, descartando-se de vez as ideias malsãs e as sugestões obtusas. Desse modo, as experiências bem-sucedidas e pragmáticas de países como França, Canadá, Suécia, Dinamarca e Finlândia – examinadas pela revista VEJA de 18 de abril e pelo jornalista Reinaldo Azevedo em matéria postada em seu blog em 31 de março – podem perfeitamente nos servir de referências saudáveis. 
Nesses países, aliás, um criminoso de 13/15 anos ou até mesmo sem qualquer restrição etária como no caso da Inglaterra, dependendo da gravidade do seu delito, poderá ser condenado como um adulto. No geral, a pura redução da maioridade de 18 para 16 anos para efeito de imputação penal não avança muito sobre a questão. Do ponto de vista espiritual, entretanto, alguns fatos precisam ser devidamente salientados de modo a alicerçar as decisões dos legisladores, bem como salvaguardar a sociedade da sanha de delinquentes perversos e desalmados. Nesse sentido, cumpre destacar que, como pondera o Espírito Joanna de Ângelis na obra Liberta-te do Mal (psicografia de Divaldo Franco), “A imensa caravana terrestre é constituída por Espíritos enfermos, ainda necessitados de amar, desdobrando os sentimentos nobres que se lhes encontram adormecidos...”. 
Posto isto, o primeiro aspecto a ser considerado é o fato de que um adolescente, salvo raras exceções, tem plena consciência dos seus atos. Em outras palavras, ele já está adequadamente familiarizado com a noção do que é certo ou errado. Seguir numa direção ou outra depende exclusivamente das suas próprias escolhas que, aliás, lhe são oportunizadas bem mais cedo simplesmente porque assim faculta a sociedade atual. Mas é preciso lembrar que elas também vêm acompanhadas das inerentes e intransferíveis responsabilidades. 
Em segundo lugar, habitando o corpo de um adolescente há, fundamentalmente, um Espírito milenar portando características éticas e morais desenvolvidas ou não, assim como aspirações d’alma e compromissos assumidos perante a espiritualidade. 
Por isso, um adolescente que pratica um crime hediondo está fazendo pleno uso do seu livre-arbítrio. Ao viver em sociedade não lhe é estranha a necessidade de respeitar determinados imperativos tais como não matar, não ferir e não furtar, entre outros. Mas ao enveredar por essas obscuras veredas, o infrator deve ser responsabilizado à altura do crime perpetrado, independentemente da sua idade. É, a propósito, o que a maior parte da sociedade anseia e igualmente o que os países mais avançados estão realizando nessa área. Reinventar a roda aqui soa como algo insipiente e desproposital. 
De modo geral, os criminosos precisam ser adequadamente isolados para refletir sobre as suas ações infelizes. Nesse processo de afastamento do convívio social, o ser desajustado tem de lidar com a justa expiação pelas suas faltas cometidas e assim obtém as condições ideais para o encontro com o arrependimento. A partir dessa apropriada correção aprende a valorizar a liberdade e a vida equilibrada em sociedade até que o Criador lhe conceda novas oportunidades de reajuste. Ao Estado cabe lhe proporcionar condições dignas e humanas para a reparação. 
      
Anselmo Ferreira Vasconcelos
São Paulo, SP (Brasil)

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segunda-feira, 13 de julho de 2015

O dia em que desencarnou Kardec


Sempre que iniciamos o mês de abril, nós, espíritas, somos lembrados de alguns eventos de suma importância ocorridos nesse período, como o lançamento de “O Livro dos Espíritos”, no dia dezoito; o nascimento de Chico Xavier no dia dois etc. Hoje citaremos um fato muito marcante: o dia do velório e enterro do corpo de Allan Kardec.
No dia 31 de março de 1984, quando se comemorava mais um aniversário da desencarnação do insigne codificador do Espiritismo, Allan Kardec, nosso querido Chico, em seu semanal encontro sob um abacateiro, na periferia de Uberaba, narrou uma história sobre o momento, que lhe foi contada pelo inesquecível Dr. Canuto Abreu.

Diz Chico:

Em 1869, no princípio do ano, ele (Allan Kardec), com os espíritas, imaginou fazer a primeira livraria espírita do mundo, que seria a livraria de Paris (hoje, pelas circunstâncias da vida francesa, ela não existe mais). A livraria se propunha a divulgar as obras espíritas. Ele e aquela turma já trabalhavam por três meses. Nos últimos dez dias de março, ele sentiu as chamadas dores pré-cordiais, que hoje são tratadas a tempo, mas no ano de 1869... Começou a sentir aquelas dores no peito, que precedem a determinados problemas difíceis na circulação, como sendo a fibrilação do músculo cardíaco...
A senhora dele, D. Gaby, faltando uns quatro dias para a morte do Codificador, ouviu-o dizer:

– Gaby, eu me sinto indisposto, com muita dor no peito, mas a inauguração da livraria espírita está prevista para o dia 1º de abril; faltam cinco dias para arranjar tudo para uma inauguração tão distinta quanto possível... Eu não me sinto bem, mas no dia 1º de abril eu tenho que inaugurar a livraria.
Ela, então, disse:

– Mas se você estiver com essa dor muito aumentada, podemos deixar para outra semana, daqui a uns quinze dias...

Nove anos mais velha do que ele, ela tinha por Kardec um desvelo também maternal... Naquela época, as viagens não eram tão fáceis. Os amigos que vinham ajudar, na inauguração, já estavam viajando para Paris, ou com todos os preparativos feitos... A viagem era feita a cavalo, e eles, em determinadas estações, tinham que ser mudados.

E os dois começaram a dialogar:

– Nós temos aí talvez mais de cinquenta companheiros, da França, da Bélgica... Eu não posso deixar, com dor ou sem dor, tenho que ir.
– Mas eu, como sua esposa, não acho que isto esteja certo.
– Mas eu não posso desconsiderar o dinheiro que os irmãos gastaram para vir até aqui.
– Apesar disso tudo, eu aconselharia você a adiar...
– Você me aconselha a adiar, mas, se eu estiver muito mal, no dia primeiro, ou que tenha até desencarnado, já que estamos numa Doutrina de caridade, o que é que você faria por mim, se eu estiver incapacitado para ir até o local da livraria, já que a inauguração está prevista para as dez horas... Não podemos fazer os outros esperarem, isto também é caridade.
– Já que a sua decisão é tão firme, no caso desse ato inauguratório, no caso de você piorar...
– E no caso de eu desencarnar?
– Mesmo assim, se você piorar ou desencarnar, eu irei no seu lugar.

E, no dia 31 de março, ele desencarnou, tudo indica por um aneurisma; foi repentino. Os amigos começaram a visitar a casa, já bem à noitinha... Então alguém aventou a hipótese de adiar a inauguração. Mas D. Gaby respondeu:

– Não, eu e meu marido conversamos sobre isto; ele está na urna; amanhã é o primeiro dia do velório, mas, às 10 horas eu irei cumprir o que a ele prometi; em nome da Doutrina de caridade, eu vou substituí-lo.

E, de manhã cedo, no dia 1º de abril, às 8 horas, D. Gaby despediu-se do corpo do esposo e falou com ele que ia cumprir a sua tarefa... Pediu-lhe desculpas por se ausentar de casa e foi para o local... Demorou umas duas horas, deu entrevistas, fez conferências e depois voltou para junto do corpo do marido... Os jornais da época comentaram muito sua coragem. Como percebemos, estamos numa Doutrina que nem a morte nos pode privar do dever a cumprir.

(Este caso está registrado no livro “Chico Xavier, à sombra do abacateiro”, de Carlos A. Bacelli, editora IDEAL.)

José Antônio V. de Oliveira
Cambé, PR (Brasil)

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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Frutos


Note o leitor como o texto abaixo é atualíssimo para a realidade do país e que especialmente pode ser aplicado à nossa realidade individual interior. Ele foi escrito em 1863 e retrata bem o descuido que vivemos com os autênticos valores que deveríamos preservar. A situação política do país é um reflexo direto desse descuido. Peço ao leitor ler atentamente com os olhos da pesquisa imparcial. O texto é todo construído com imagens simbólicas, de alto alcance filosófico e deve ser lido além das formas, além da moldura das palavras.

“(...) Os frutos da árvore da vida são os frutos de vida, de esperança e de fé. (...) A árvore é sempre boa, mas os jardineiros são maus. Eles quiseram conformá-la à sua ideia, quiseram modelá-la segundo as suas necessidades; eles a cortaram, diminuíram-na, mutilaram-na; seus ramos estéreis não produzem maus frutos, pois nada produzem. O viajor sedento que se detém sob sua sombra para procurar o fruto da esperança que lhe deve restituir a força e a coragem, não distingue senão ramos infecundos fazendo pressentir a tempestade. Em vão, ele procura o fruto da árvore de vida; as folhas caem secas; a mão do homem de tanto manejá-las, queimou-as. (...)”.

E prossegue com propriedade:

“(...) Aquele que a plantou vos convida a cuidá-la com amor, e a vereis produzir ainda, com abundância, seus frutos divinos. (...) não a mutileis; sua sombra intensa quer se estender sobre o Universo; não encurteis seus ramos. Seus frutos benfazejos caem em abundância para sustentar o viajor sedento que quer atingir o objetivo; não os colheis, esses frutos, para os guardar e os deixar apodrecer, a fim de que não sirvam a ninguém (...); a árvore que produz bons frutos deve distribuí-los para todos. Ide, pois, procurar aqueles que estão sedentos; conduzi-os sob os ramos da árvore e dividi com eles o abrigo que ela vos oferece. (...)”.

A linguagem simbólica indica claramente o egoísmo que ainda nos caracteriza a condição humana, preocupados que ainda estamos em acumular, esquecidos ou negligentes dos cuidados com os valores reais da vida e seus frutos, manipulando, moldando aos nossos interesses e adaptando-os às nossas ideias, nem sempre saudáveis, mutilando-os em seus reais objetivos. E tudo isso com prejuízos enormes à coletividade que busca, sedenta, seus frutos de vida, de esperança e fé. Seria o caso de pensarmos no alcance da expressão: frutos de vida, esperança e fé, além das palavras e em toda sua abrangência. 
O egoísmo é o grande responsável por esse quadro de interesses, dos quais estamos assumindo enorme responsabilidade perante a vida e seus nobres objetivos.

A transcrição parcial, porém, não é desanimadora. É antes, construtiva, convidando à fraternidade: “(...) segui aqueles que vos conduzem à sombra da árvore da vida (...)”.

Afinal, reconhece-se o cristão pelas suas obras, como indica o título do texto. E essas obras produzem a pura brisa da harmonia individual e social, pois que “A lei de amor substitui a personalidade pela fusão dos seres e aniquila as misérias sociais”. 
A crise moral que se abate sobre o país é resultante do esquecimento de princípios básicos de amor e conduta reta e poderemos alterar tudo isso a qualquer tempo, fazendo as mudanças dentro de nós, que se refletirão inevitavelmente na vida social.

Extraídos de O Evangelho Segundo o Espiritismo, em transcrição parcial dos capítulos XI e XVIII, os textos oferecem reta orientação aos desafios da atualidade.

Orson Peter Carrara

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domingo, 5 de julho de 2015

O necessário e o supérfluo, mas sem passar batido


O jornalista espírita André Trigueiro, meu amigo-irmão, é especialista na área ambiental. Tem livros publicados e também faz inúmeras palestras sobre o assunto, tanto em centros espíritas como em universidades, igrejas católicas e em todo local onde houver um grupo religioso, estudantil ou entidade de classe interessada em meio ambiente, assunto de suma importância para melhor nos situarmos no mundo atual, às voltas com mudanças climáticas, consumismo e afins. 
Certa vez, em Petrópolis, durante o seminário “Ecologia e Paz”, o André, ressaltando que a Doutrina Espírita aborda várias vezes a questão ecológica, disse que precisamos deixar de passar batido pelo item “O necessário e o supérfluo”, de “O Livro dos Espíritos” (terceira parte, capítulo cinco, questões 715 a 717). 
Confesso que não lia essas questões há um tempo. Passei batido também, como advertiu o André. E fiquei surpreso ao ver que são apenas três questões que, de fato, devem passar despercebidas para muitos. É como se as três formassem um item de menor importância, perdido na parte que estuda as Leis Morais. Como nada nas obras de Kardec é mais ou menos importante (tudo tem o mesmo e importantíssimo peso) e eu também sou um entusiasta da questão ambiental, resolvi me debruçar sobre as três. Que Santo André Trigueiro, padroeiro das causas ecológicas, me ajude! 
Na questão 715, Kardec pergunta “Como pode o homem conhecer o limite do necessário?”. A resposta diz que o homem ponderado conhece tal limite por intuição. Muita gente, no entanto, só irá conhecê-lo à própria custa, ou seja, batendo cabeça. 
Quando reli essa questão, lembrei-me de uma senhora com quem dividi algumas sessões de fisioterapia quando torci o tornozelo há alguns anos. Conversa vai, conversa vem, ela contou que ela e o marido moravam numa casa com cinco suítes. Uma para o casal. As demais, para os quatro filhos homens. Só que os filhos já haviam saído de casa por terem casado ou ido trabalhar em outra cidade. Ficaram ela e o marido morando numa residência cheia de suítes, que ela mantinha fechadas e nas quais não entrava havia meses. Contou, também, que por ser uma casa grande, havia demorado a ficar pronta. Por isso, os filhos aproveitaram pouco das suítes. Perguntei se ela pensava em vender a casa, quem sabe para alguém interessado em transformá-la numa pousada. A casa, disse a senhora, estava à venda, mas ainda não havia aparecido comprador. 
É claro que se tenho dinheiro e sou pai de quatro filhos, não vou morar com minha família numa casa apertada. Mas se ajo com ponderação, como ressalta “O Livro dos Espíritos”, perceberei que, em breve, eu e minha esposa corremos o risco de ficar sozinhos numa casa imensa. Creio que se os proprietários tivessem construído uma casa com dois quartos para os filhos (dois filhos por quarto) e dois banheiros sociais, fora a suíte de marido e mulher, a casa estaria num bom tamanho. Todos teriam aproveitado mais não só a casa, mas também a companhia uns dos outros. 
Na Região Serrana do RJ, onde vivo, há casas cinematográficas em profusão. Todas com inúmeras suítes (com closet), churrasqueira, forno a lenha, salão de jogos, casa de hóspedes, piscina, sauna seca e a vapor e por aí vai. Muitas delas à venda há meses. Não aparece comprador. Hoje em dia, muita gente não dispõe de tempo e dinheiro para manter uma mansão. 
Quando “O Livro dos Espíritos” diz que muitos vão conhecer o limite do necessário pela própria – e muitas vezes sofrida – experiência é porque não sabemos lidar com a matéria de forma equilibrada. Geralmente, pensamos que ser materialista é não acreditar em Deus ou na existência de algo além da morte. Mas materialismo também é não parar para pensar na hora de construir um imóvel que, mais adiante, se transformará num elefante branco. Não só pelo tamanho do mesmo, mas pela quantidade de tempo e dinheiro que a casa mega linda requer para permanecer de pé e arrumada. Estou falando de impostos altos, número de empregados, material de limpeza... Tudo para dar conta do número exagerado de quartos, salas e banheiros que a gente inventou. Haja material de construção! E cimento, barro, madeira e Cia. Ltda. vêm de onde? Da Natureza, que já demonstra sinais de saturação por causa de tanta extravagância. 
A resposta à pergunta 716 diz que a Natureza deu ao homem uma organização que lhe traça os limites da necessidade. O homem, porém, tudo alterou por causa de vícios que o fizeram criar necessidades nada reais. 
Hoje em dia, é farta a oferta de confeitarias, restaurantes de comida a quilo, lanchonetes de comida rápida... Comida saborosa, farta e acessível. Mas será que temos necessidade de, todo santo dia, tomar refrigerante, comer brigadeiro, se entupir de batata frita? 
Em 16 de dezembro de 2013, o pediatra carioca Fábio Becker deu entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Ele abordou a questão da comida pronta de hoje em dia. Nos Estados Unidos, paraíso do alimento industrializado, a comida é feita com sabor, crocância e consistência ideais para que a criança rejeite o alimento natural quando o provar. Dessa forma, diz ele, corremos o risco de ter crianças que só aceitam comida fabricada e rechaçam a couve, o chuchu, a beterraba... Vícios que alteram nossa constituição e criam necessidades irreais, conforme observa o sempre atual “O Livro dos Espíritos”. 
O André Trigueiro é inimigo do closet. Em suas palestras, ele sempre fala da desnecessidade de fazermos um cômodo estilo sala de troféus para exibir a coleção de sapatos, gravatas, lingerie, camisas, toalhas felpudas e sabe lá Deus o quê. E esse cômodo supérfluo tem, ainda por cima, iluminação especial, feita por um “light designer”. Haja energia elétrica! 
Se o André elegeu combater o closet, eu escolhi a varanda gourmet como inimiga. Tenho visto, em recentes lançamentos imobiliários no RJ e SP, apartamentos com as tais varandas, que vêm equipadas com churrasqueiras. Será que precisamos de churrasqueiras em varandas de apartamentos? Fico imaginando o fumacê se todo mundo resolver fazer churrasco no mesmo dia. Sabemos que uma das grandes causas de desmatamento na Amazônia é a criação de pastos para o gado. Portanto, a fumaça do exagero churrascal é a mesma das queimadas na Amazônia. Será que precisamos consumir tanto churrasco assim? Será que virou um item de primeira necessidade, a ponto de novos apartamentos já virem com a tal da varanda gourmet? Além disso, a área de serviço teve o espaço bastante reduzido para dar lugar à dita cuja gourmet. Há lugar para tanque, máquina de lavar e um pequeno armário. Nada mais. Será que só eu lavo e seco roupa em casa? 
Todos nós sabemos que o dia a dia doméstico não é varanda gourmet. É, entre outros itens, um local para secar a roupa que foi lavada. Digo isso porque já vi apartamentos de condomínios luxuosos cheios de varais de chão na varanda gourmet. Ou seja, não há local para secar a roupa. E quando chove, os varais de chão repletos de panos de pratos, meias e afins molhados ficam na sala. Eu particularmente prefiro uma boa área de serviço a uma varanda gourmet. Abaixo a varanda gourmet! 
Por fim, a questão 717, que diz que os homens que se apropriam dos bens da Terra para ter o supérfluo enquanto muitos não possuem o necessário terão de responder pelas privações que causam. Estas palavras me fazem lembrar Madre Teresa de Calcutá. Uma vez, ao desembarcar nos Estados Unidos para uma conferência, ela ficou horrorizada ao ver a quantidade de comida que estava sendo jogada fora no aeroporto. Comida industrializada, cheia de gordura. Mas ainda assim, comida. Comida feita de trigo, carne, leite, milho, batata e outros itens, que foram tirados na Natureza (Olha ela aí novamente!), para alimentar um bando de gente que come em excesso e joga fora toneladas de alimentos todos os dias. Até quando? 
No livro “Mundo Sustentável”, o André Trigueiro, referindo-se ao desenho animado “Mogli, o Menino Lobo”, cita a música cantada pelo Urso Balu, amigo do personagem-título: - Necessário, somente o necessário. O extraordinário é demais. 
Sei que às vezes é difícil estabelecer o limite entre o necessário e o supérfluo. Mas como diz o André Trigueiro, um bom indício é evitarmos fazer coleção. Todos sabem quantos sapatos, celulares, automóveis, toalhas e peças de roupa devem ter. É questão de foro íntimo. Mas se alguém começa, por exemplo, a fazer coleção de sapatos, é melhor acender o sinal de alerta. Afinal, como diz o adendo à questão 717, “Tudo é relativo, cabendo à razão regrar as coisas”.

Marcelo Teixeira

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