sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Decisão que vamos optar


A clareza e objetividade de Kardec impressionam, seja pela sua atualidade, seja pela lucidez com que apresenta o pensamento espírita e seus desdobramentos, nas variadas situações do cotidiano ou nas conquistas intelecto-morais que vamos alcançando pelo amadurecimento natural da própria evolução.
Frases curtas, expressões compactas, parágrafos altamente esclarecedores, raciocínios lógicos, todos embasados numa construção perfeita que une o texto, o raciocínio, o alto senso de justiça e bondade, aspectos históricos sempre envolvidos e, claro, direcionados para aspectos que construam a mentalidade humanitária e cristã, à luz da Revelação Espírita.
Isso está em toda a obra da Codificação, nas obras complementares e na Revista Espírita. Interessante porque cada pensamento, texto, frase ou raciocínio do Codificador tornam-se facilmente fonte inesgotável para abordagens verbais ou escritas, temas para estudo ou pesquisa. É realmente o fruto de um espírito genial, comprometido com as causas de progresso da Humanidade. Não é ao acaso que organizou a Revelação dos Espíritos.
Uso um exemplo simples, para indicar essa grandeza de conteúdo.
No capítulo XXVIII – Coletânea de Preces Espíritas, em O Evangelho segundo o Espiritismo, item 20 –Para pedir força de resistir a uma tentação, informa Kardec*: “(...) Devemos, ao mesmo tempo, imaginar o nosso anjo da guarda, ou Espírito protetor, que, de sua parte, combate em nós a má influência, e espera com ansiedade a decisão que vamos tomar. Nossa hesitação em fazer o mal é a voz do bom Espírito que se faz ouvir pela consciência. (...)”.
O destaque na frase foi dado pelo próprio Kardec. O tema aborda a questão dos maus pensamentos, da influência malévola de alguns Espíritos perturbados ou perturbadores e mesmo de nossas próprias más tendências, mas também da presença do anjo guardião que nos ampara e a quem podemos recorrer. Como se sabe, no capítulo em referência, Kardec apresenta comentários compactos e extraordinários a diversas situações em que a prece pode ser usada, complementando com pequenos modelos de prece para auxiliar o raciocínio na questão. Mas seus comentários pessoais são de beleza inquestionável. Inclusive, o referido item encontra-se no subtítulo Preces por si mesmo, iniciando-se com a citação dos anjos guardiães e Espíritos protetores, daí a indicação aqui constante.
Convido, portanto, o leitor, a refletir sobre o exemplo simples da transcrição constante da já citada obra básica: a da espera do Espírito protetor, com ansiedade, peladecisão que vamos tomar.
Sim, isso é abrangente, notável. Afinal, apesar da assistência que todos recebemos, continuamente, os benfeitores respeitam nossas decisões e esperam que escolhamos os caminhos do equilíbrio e do acerto. Mas respeitam, se optarmos por caminhos desastrosos, daí a ansiedade citada pelo Codificador, porque sabem que é por meio desses equívocos das decisões e opções, durante a vida, que amadurecemos e aprendemos a viver, nos relacionamentos e nas decisões próprias do cotidiano. Apesar de nos assistirem, eles aguardam os caminhos que optamos por seguir. Percebemos, com clareza, a abrangência que o assunto propicia. Convido o leitor a buscar o item em referência e estudá-lo na íntegra.
É assim a Doutrina Espírita: inesgotável nas possibilidades de aprendizado.

Orson Peter Carrara

Imagem ilustrativa

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Pé de barro, pé no barro


Vivemos um tempo curioso. Após a chegada do homem à lua, do telescópio Hubble ter ajudado a desvendar o espaço, de uma grande expansão de nosso conhecimento do Universo, nos decepcionamos com o que encontramos. Esperávamos algo divino, maravilhoso.
Esperávamos, na ratificação de nossa imaginação fértil, algo de civilizações intergalácticas, de descobertas de outros mundos, como um Cabral ou um Colombo moderno à busca de novas civilizações. Mas encontramos rochas e gases, e fomos buscar abrigos em teorias conspiratórias e fábulas modernas, sem ver a magnitude do que encontramos.
Da mesma forma, a profusão das comunicações; as redes nos colocaram em tempo real em contato com a natureza humana. Ponto a ponto, sem filtros, viralizamos e nos comparamos com o vizinho nas redes sociais, e vemos do que o Espírito encarnado é capaz. Mas nos decepcionamos. Quebramos as nossas expectativas com o homem que vemos no espelho. Sentimos vergonha da raça humana.
Sim, por ver não somente o mal, mas por vê-lo sendo propagado, comemorado e consumido, misturando o mundo real e a ficção, destruindo a crença no homem como centelha divina, com potencial para fazer mais e melhor nesse mundo. Por ver que desperdiçamos soluções e criamos problemas, e a despeito de toda a tecnologia, ainda padecemos da fome, da ignorância e da violência.
A decepção é o sentimento que habita bocas e corações. Uma tristeza infinda. Uma vontade de não se levantar, em um tempo curioso, de falta de fé, ainda que existam tantas religiões. De ídolos de “pé de barro”, ainda que existam tantas celebridades instantâneas. Uma falta de esperança, de concepção de um mundo melhor, abatido pela realidade que se descortina.
O Espiritismo, como doutrina libertadora, que concilia a vida eterna com a vida real, traz uma nova proposta de fé. Não somente por ser raciocinada. Não uma proposta de “pés de barro” e sim uma proposta de “pé no barro”, na qual essa decepção não se justifica. Uma proposta de mundo em transformação, pelas nossas mãos e guiado pelos nossos pés.
Sim, o Espiritismo convida-nos, Espíritos encarnados, a uma fé ativa, producente. A assumir as rédeas do mundo, para romper os determinismos da natureza humana, colocando os pés no barro e mostrando que pode ser feito diferente. Um mundo que será o que nós fizermos dele. Nós, as diversas gerações que encarnam sucessivamente no planeta.
Imagine uma mulher, um negro, um indígena no Século XVII. Ele olhava também para o mundo de baixo, sem fé. E hoje, apesar dos pesares, muita coisa mudou na relação do mundo com esses grupos. A evolução se fez e se faz. Às vezes lentamente, as vezes de forma imperceptível, mas o mundo melhora e pode melhorar. Só depende de nós.
Essa lógica que o Espiritismo traz, de deixar em nossas mãos a construção de um mundo melhor, converte essa decepção em trabalho, essa falta de fé em esforço, esse vazio em sede. Temos a ideia de reencarnação, não como um dogma de sofrimento e karma determinista, mas como uma chave libertadora do sofrimento e de promoção da fraternidade.
A pergunta 171 de “O Livro dos Espíritos” traz que “(...) a doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o Espírito muitas existências sucessivas, é (...) a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações”. Esse resgate não é somente na dimensão individual, mas também na dimensão coletiva.
A continuidade da vida permite ao homem-espírito exercitar a sua capacidade de se reinventar, de fazer diferente, de romper barreiras e construir novas pontes entre os fossos que se apresentam. E isso exige trabalho, esforço e dedicação. A fé sem obras é morta, diz o evangelho, e, nesse sentido, temos que avançar, com o pé no barro e os olhos no céu.
Pois o nosso destino está nas estrelas. Mas o momento, aqui e agora, é que ele está sendo construído.

Marcos Vinícius de Azevedo Braga

Imagem ilustrativa